O panorama geral: Aplicação anticorrupção e desenvolvimento de programas de integridade no Brasil
O panorama geral: Aplicação anticorrupção e desenvolvimento de programas de integridade no Brasil
Os últimos meses trouxeram grandes reformas às regulamentações anticorrupção e ao ambiente de aplicação da lei no Brasil, incluindo a forma como se espera que as empresas brasileiras aprimorem seus programas de compliance.
“Durante o ano passado, a fiscalização anticorrupção no Brasil permaneceu ativa e evoluiu de maneiras importantes”, disse Michel Sancovski, sócio da Mayer Brown em seu escritório de São Paulo. Entre as mudanças recentes, as autoridades reguladoras introduziram regulamentações mais fortes que promovem a governança corporativa e as expectativas gerais de conformidade no setor privado, disse ele.
Por exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU), a autoridade de fiscalização anticorrupção do Brasil, destacou recentemente o lançamento do Pacto Brasileiro pela Integridade Empresarial e do programa Pró Ética como “marcos importantes que demonstram o compromisso da CGU com a promoção da integridade empresarial”.
“Essas iniciativas visam envolver empresas de diferentes setores na adoção de práticas éticas, reforçando a importância da integridade como um valor fundamental para o desenvolvimento sustentável do país”, disse a CGU.
A Portaria Normativa nº 160 descreve os principais objetivos do “Pacto Brasil pela Integridade Empresarial”. Um dos objetivos é incentivar as empresas a “desenvolver uma cultura organizacional contra a corrupção e em favor de questões socialmente relevantes, como o desenvolvimento sustentável e o respeito aos direitos humanos e sociais”, afirma a portaria. A Secretaria de Integridade Privada (SIPRI) da CGU supervisionará a adesão das empresas ao pacto.
O foco em programas de integridade por parte das autoridades reguladoras do Brasil ocorre em um momento em que a CGU anunciou um “marco histórico”, iniciando um recorde de 76 Processos Administrativos de Responsabilização (PARs) em 2024. De acordo com a CGU, esse número superou o recorde anterior de 73 PARs iniciados em 2020. Muitos PARs resultam de atos ilícitos de corrupção ou fraude em licitações e contratos públicos, disse a CGU.
Novo Termo de Compromisso
Outro desenvolvimento importante que ocorreu em 2024 foi a introdução pela CGU de um novo “Termo de Compromisso” como uma alternativa aos julgamentos sumários e acordos de leniência regulamentados pela Lei Anticorrupção do Brasil (Lei nº 12.846/2013).
Uma pessoa jurídica pode entrar em um acordo de leniência fornecendo informações e provas sobre violações de corrupção se essa cooperação ajudar a identificar outras pessoas físicas e jurídicas envolvidas na atividade ilícita. Em troca, a pessoa jurídica poderá receber uma multa reduzida e isenção de penalidades adicionais.
A Portaria Normativa nº 155, emitida pela CGU em agosto de 2024, descreve os requisitos para a celebração do “Termo de Compromisso”. A portaria sustenta que um termo de compromisso não pode ser celebrado quando se aplica um acordo de leniência.
Para ser elegível para o termo de compromisso, a pessoa jurídica deve atender a requisitos específicos, incluindo:
- Reconhecer a responsabilidade pela conduta sob investigação;
- Cessar o envolvimento na atividade;
- Responder a solicitações de informações sobre o caso, conforme o conhecimento da empresa;
- Reparar os danos causados;
- Restituir os valores obtidos com os atos ilícitos;
- Desistir de qualquer atividade legal existente e abster-se de quaisquer novas reivindicações.
Embora uma pessoa jurídica deva reconhecer a responsabilidade pela conduta, não é necessário admitir a culpa. “Ao eliminar a necessidade de uma confissão, as empresas podem evitar riscos legais e comerciais associados à admissão de culpa”, disse Eloy Rizzo, sócio do grupo de investigações corporativas do Demarest em seu escritório de São Paulo.
“Além disso, observamos que os funcionários públicos estão se sentindo mais à vontade para solicitar vantagens indevidas”, acrescentou Rizzo. “Como resultado, é crucial que as empresas estejam preparadas para lidar com tais solicitações.”
Outra novidade do termo de compromisso é a possibilidade de a CGU condicionar a celebração do termo de compromisso ao comprometimento da pessoa jurídica em adotar ou aprimorar seu programa de compliance.
O termo de compromisso é “geralmente visto como positivo para as empresas, pois permite que as empresas corrijam irregularidades e melhorem seus programas de integridade e controles internos sem enfrentar decisões condenatórias em PARs longos e onerosos”, disse Marcel Ribas, sócio do Mattos Filho em seu escritório de São Paulo.
“Essa opção também é particularmente benéfica para empresas que não se qualificam para acordos de leniência ou que não dispõem de informações para auxiliar as investigações da CGU”, acrescentou Ribas.
Os benefícios adicionais de um termo de compromisso permanecem semelhantes aos dos julgamentos sumários, incluindo uma multa reduzida por fatores atenuantes, aplicação isolada da penalidade sem que a decisão seja publicada e exclusão do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP). As sanções que restringem a participação em contratos públicos também podem ser atenuadas.
Por outro lado, o descumprimento poderá resultar em sanções severas, incluindo o vencimento antecipado das parcelas não pagas e a execução do valor total da multa, descontadas as frações já pagas, de acordo com a portaria.
Além disso, poderá haver danos à reputação, já que as pessoas jurídicas que não estiverem em conformidade serão registradas no CNEP. “O registro no CNEP pode prejudicar a imagem da pessoa jurídica, sua capacidade operacional e sua capacidade de garantir futuras oportunidades de negócios, especialmente em contratos públicos”, disse Sancovski.
Além disso, a CGU geralmente inicia PARs simultaneamente com investigações criminais e civis de outras autoridades, o que pode “aumentar significativamente as possíveis consequências legais e financeiras para as pessoas jurídicas que enfrentam várias investigações decorrentes da mesma violação”, acrescentou Sancovski. Esses riscos apenas tornam mais importante para as empresas ter seus programas de conformidade em ordem.
Nova diretriz do programa de integridade
Em outubro de 2024, a CGU publicou o Volume II do “Manual Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas”. A CGU disse que o Volume II complementa o Volume I ao se alinhar melhor com as novas mudanças regulatórias que entraram em vigor após a publicação do Volume I em 2015.
Por exemplo, o Decreto nº 12.304/2024, que foi emitido em dezembro de 2024 e regulamenta a Lei de Licitações Públicas do Brasil (Lei nº 14.133/2021), criou um novo mandato para que as pessoas jurídicas que participam de licitações públicas de grande escala (quando o valor estimado do contrato inicial e das alterações excede R$ 239.624.058,14) devem implementar um programa de integridade.
Além disso, a CGU afirmou que a diretriz atualizada do programa de integridade se alinha melhor com as expectativas atuais do mercado em relação às boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG). Por meio da diretriz atualizada do programa de integridade, a CGU enfatiza que as empresas devem ter mais do que apenas práticas anticorrupção, mas também práticas de ESG projetadas para prevenir, detectar e remediar violações dos direitos humanos e do meio ambiente, bem como assédio e práticas discriminatórias.
Assim como no Volume I, a CGU incentiva as empresas brasileiras a considerarem a diretriz ao reavaliarem e aprimorarem seus programas de integridade, já que esses são os elementos aos quais a CGU prestará muita atenção. No entanto, é importante ressaltar que a CGU disse que não quer que as empresas interpretem a diretriz como prescritiva. Em vez disso, os “elementos que compõem um programa de integridade são dinâmicos, interdependentes e sujeitos a aprimoramento contínuo”, afirmou a CGU na diretriz.
A diretriz destaca com mais detalhes os seguintes elementos de um programa de integridade:
- Estrutura de governança: Uma estrutura de governança corporativa, representada pelo conselho e pelos membros da diretoria executiva, que “desempenha um papel fundamental na promoção da integridade na empresa”. A estrutura de gestão e controle deve ser “bem delineada, com atribuições e responsabilidades claramente definidas e acessíveis às partes interessadas”.
- Compromisso da gerência sênior: O apoio e o compromisso da gerência sênior na criação de uma cultura de ética e integridade na empresa é “a base de um programa de integridade eficaz”. Isso é exemplificado pela contratação de líderes sem violações éticas anteriores, baseando as metas de desempenho no compromisso da gerência com o programa de integridade, preenchendo os cargos de gerência sênior com pessoas que tenham conhecimento sobre tópicos relacionados à integridade nos negócios e alocando o nível adequado de recursos para o programa.
- Gerenciamento de riscos e avaliações de riscos: A realização de uma avaliação de risco adequada permite que a empresa adote as medidas mais apropriadas para mitigar seus maiores riscos e, assim, alocar seus recursos de forma mais eficiente. Com relação às práticas de ESG, a CGU recomenda, na diretriz do programa de integridade, que as empresas incorporem o mapeamento de seus riscos ambientais, especialmente se tiverem a intenção de participar de contratos com o governo.
- Código de ética: Um Código de Ética deve abordar a “tolerância zero” da empresa em relação à corrupção e à fraude, o respeito aos direitos humanos e às considerações ambientais, e proibir claramente o assédio, a discriminação e a exploração do trabalho infantil e do trabalho escravo, entre outras políticas declaradas descritas na diretriz.
- Comunicação e treinamento: A comunicação e o treinamento devem abordar o conteúdo do Código de Ética, como acessar os canais de denúncia e exemplos de riscos que se aplicam a funções específicas, por exemplo. As empresas também devem usar diferentes modalidades de treinamento, “como vídeos educativos, com treinamento mais abrangente, tanto on-line quanto presencial”, de acordo com a diretriz.
- Controles contábeis e procedimentos de auditoria: A implementação de procedimentos robustos e confiáveis para registros contábeis é essencial para prevenir e mitigar os riscos de fraude e corrupção. No mínimo, isso deve incluir “segregação de funções e definir níveis de aprovação para receitas, despesas e movimentações de ativos, bem como mecanismos de alerta para identificar despesas e receitas fora do padrão”, afirma a orientação.
- Práticas de due diligence de terceiros: Ao realizar a devida diligência em terceiros, as empresas devem levar em conta violações de direitos humanos e danos ambientais, além de atividades anteriores de fraude e corrupção. A contratação de terceiros comprometidos com uma cultura de integridade na condução de seus negócios deve ser uma prioridade, enfatiza a diretriz. A diretriz também recomenda incluir nos contratos de terceiros uma cláusula que exija que o terceiro certifique a conformidade com as leis ambientais e de direitos humanos.
- Canal de denúncia de irregularidades: As empresas devem implementar um canal de denúncias, disponível em português, que seja “facilmente acessível” aos públicos interno e externo, incluindo um canal de denúncias on-line. Esse canal deve ser claramente destinado a denunciar violações de integridade, como corrupção e fraude, assédio e violações de direitos humanos (não deve ser confundido com uma linha de atendimento ao cliente).
“Espera-se que as empresas atualizem seus programas de conformidade para se alinharem a esses novos requisitos, garantindo que tenham recursos e sistemas adequados para detectar e prevenir práticas corruptas”, disse Ribas. “Isso pode envolver a revisão das políticas existentes, o aumento do treinamento da equipe e o investimento em novas tecnologias de conformidade.”
“À medida que os cenários regulatórios e de fiscalização continuam a evoluir”, concluiu Ribas, ‘as empresas devem estar preparadas para se adaptar e responder a novos desafios e oportunidades nas práticas de integridade’.
O ACI realizará sua conferência sobre “Anticorrupção, Integridade e ESG – Brasil” nos dias 20 e 21 de maio em São Paulo. Para obter mais informações e fazer a inscrição, acesse: https://www.americanconference.com/ac-brazil/